Multiartista baiana de Itamaraju, cidade localizada no extremo sul do estado, que possui um trabalho complexo e repleto de nuances, passeando o corpo pela dança, pintura, produção audiovisual, música e encantaria. Como as antigas sacerdotisas dos interiores do Brasil, Ester tem uma vida profundamente atravessada pela espiritualidade, a vida e o trabalho.

Um balaio com produção artística, meditação guiada, oráculo e muito charme

Ester de Oxum

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ESTER DE OXUM

BIOGRAFIA

Nasceu no antigo Hospital São Vicente, filha mais nova de Núbia Pereira de Barros e a sétima de Sinval Rodrigues Bomfim. Ester passou grande parte da infância na área rural de Itamaraju, mais especificamente entre o povoado de São Paulinho e a fazenda em que seu pai atuava como gestor. Nesse período, ansiava pela missa aos domingos, onde após dormir durante toda a cerimônia, insistia para que fosse acordada a intenção de cantar para a comunidade religiosa. Era uma criança introspectiva, determinada, arrancava os próprios dentes de leite ao primeiro sinal de que iriam cair, ainda verdes. Era encantada pela irmã mais velha, a tinha como um modelo a ser seguido.

Quando completou 06 anos, os pais se mudaram da área rural para a cidade e em uma noite, após sua mãe comunicar o desejo de se divorciar, seu pai iniciou um episódio de agressão e tentou assassinar a todos, até que sua mãe conseguiu tirar a todos de dentro de casa.

ARTE

Os anos seguintes foram marcados por perseguição, fuga e outras cenas de agressão, que vieram a marcar a primeira fase do trabalho da artista, quando em sua dificuldade e falta de letramento para comunicar a infância turbulenta, encontrou a pintura como caminho para se colocar.


PRIMERA FASE

Aos 13 anos, foi apresentada a pintura a óleo através do projeto estruturante do estado da Bahia Artes Visuais Estudantis e foi nesse contexto de relacionamento com a arte, ainda no ensino fundamental, que Ester experimentou criações em outras linguagens, como dança e poesia.

Foi finalista em uma competição de produção textual e escolhida para apresentar a obra em Salvador, capital do estado. Essa viagem proporcionou à artista uma mudança significativa no estilo de sua obra. Muito atravessada pelas cores e pelo pertencimento racial que a cidade exalava, Ester retornou para sua cidade natal disposta a mergulhar no chamado a ancestralidade que Salvador a apresentou.

SEGUNDA FASE

Aos 16, foi conduzida a participar de um espetáculo com o grande mestre dos saberes Itamar dos Anjos, com a obra “Nascimento dos filhos de Oxum”. Nos anos seguintes, o trabalho de corpo despontaria, muito estimulado pela experiência acadêmica na formação em Licenciatura Interdisciplinar em Artes. Obras como “A cor da terra”, “Duzu-querença”, “Negra de Ganho: corpo que vai” e outras performances e happenings tomam espaço no processo de elaboração da narrativa artística de Ester.

Trabalho de corpo sobre esse encantado em diáspora produzido durante a quarentena. Matamba, Amburucema, Bamburucema, inquice dos ventos, dos raios e da fertilidade, se apresenta nessa performance como a mulher afro diaspórica. Cavalo de santo que goza, que reza e que alimenta com seu trabalho. A faca que corta o coco mata o inimigo. Quem é o inimigo da mulher-inquice afro diaspórica? Corpo que nas tentativas de ser ocidentalizado pelos projetos de embranquecimento nacionais incorporou uma série de elementos que não faziam parte de sua cultura raiz para sua sobrevivência. Corpo que em essência segue sendo o cavalo de santo, segue recebendo Matamba nos manuseios de uma lâmina qualquer, nos passos da estrada de exu, ora qualquer estrada é de Exu, mulher fogosa que tem fogo, ansiosa pelo gozo. Mulher-inquice que é corpo que sustenta outros corpos, ao descascar o coco. Mulher-inquice que é corpo que se cultua no tronco de uma árvore ancestral. Corpo em ascensão também em seus processos sexuais. Todo um turbilhão em Matamba, tudo dentro de si. Mas no mundo afora, só.

MATAMBA

EJÉ-SANGUE DE MUNDO

Entre tantos experimentos, o chamado pela ancestralidade começou a tomar cada vez mais forma, até que em em 2019, com 20 anos, a artista recebe o chamado para se iniciar no candomblé. Nesse período, foi afastada dos palcos, por ordem dos preceitos religiosos e era esse o espaço perfeito para despontar um processo completamente novo com a pintura. Encantada pelo próprio atravessamento, pelas ritualísticas, Ester deu início a um movimento de percepção do seu trabalho, denominado “A experiência estética do cotidiano religioso do candomblé”. Esse que veio a ser o pilar primordial de todas as seguintes produções e eixo de pesquisa para a exposição e o lançamento do livro homônimo, “Ejé-sangue de mundo”:

pelos espaços de experiência estética, pelo sagrado afro-brasileiro pelo profano individual que a convivência em comunidade pode proporcionar, sendo as tintas da aquarela sobre o papel, a linha tênue que separa e protege esses três lugares.

BOMFIM, 2022.

o s t r â n s i t o s

AUDIOVISUAL

Aliado a toda visualidade que as tintas davam conta de representar, Ester começou a explorar também a documentação audiovisual como parte do processo de criação artística e de registro. Documentários como “Awo omo ti Odé”, “Olode lo je Oba” e “Asiri Ode” evidenciam a artista como detentora de um olhar atento para o todo, para além de si mesma, compreendendo o corpo individual como um aspecto da comunidade, integrado.

o s a n o s s e g u i n t e s,

foram fluidos para criação das pinturas, séries como “Diáspora & Jacarezinho”, “Xirê”, “Biyi: o nascimento”, “A jornada da sacerdotisa”, “Yabás: maternidade ancestral" e tantas outras produções simbólicas firmaram Ester de Oxum não só como uma grande artista, mas como um dos maiores nomes de seu tempo

Série “Diáspora & Jacarezinho”

“No dia seguinte a chacina, o céu chorou. Me lembro de estar tão anestesiada, que não consegui abri canal para lágrima passar, meu medo era virar correnteza e derreter em mim mesma. No outro dia pedi que Matheus, meu guia, me levasse até a comunidade do Jacarezinho. Me assustei com as marcas de bala que furavam os muros. Faltava fé e amor em quem dirigia o sistema e tomavam as grandes decisões. Fui sacerdotisa e entreguei nas mãos de Oxum, mas Ogum me encheu de ódio, afinal não era para eu me conformar. Ninguém deve se conformar com o ejé lavando chão de casa de preto.”

BOMFIM, 2022.

"DIÁSPORA & JACAREINHO"


“Xirê"

"Série de representação crua dos Orixás, através da artista. Com um olhar sensível para a invocar, através da água, o axé individual e preciso de cada Orixá, com cuidado para que se permaneça sem rosto."

BOMFIM, 2024.

"XIRÊ"


“Yabás: maternidade ancestral"

“Memórias visuais construídas a partir da minha vivência e andança afro-religiosa, com uma conexão entre o ventre da grande mãe Oxum e sua capacidade geradora.”

BOMFIM, 2024.

"YABÁS: MATERNIDADE

ANCESTRAL"

“Orixás da criação”

“Em busca pela minha própria objetividade, encontrei caminhos em linhas que formam o sagrado, o meu sagrado, direto e bem colocado, assim são ‘Os Orixás da Criação’.”

BOMFIM, 2024.

"ORIXÁS DA CRIAÇÃO"

“A jornada da sacerdotisa”

A sacerdotisa, essa mulher de branco, a manifestação divina do meu eu, é quem tem decidido o que é melhor para mim. Eu tenho decidido.

Com amor e respeito pela minha história, com coragem para desbravar meu interior tortuoso e integrá-lo. Matar esse pedaço de mim, é a maior manifestação desse amor, porque é necessário que se morra para que o novo se estabeleça.” BOMFIM, 2024.

Obras que estão destinadas a compor o projeto de representação dos arquetipos do oráculo de cartas “Tarot”.

"A JORNADA DA

SACERDOTISA"

MÚSICA

O Candomblé foi a referência principal em metodologia de produção de Ester de Oxum. As pinturas sobre a pele do iniciado, se estendendo para o papel e para as tantas aquarelas produzidas pela artista; o corpo do iniciado, que se movimenta a partir dos toques sagrados, elevado aos palcos e finalmente, a voz do iniciado, que entoa e compõe o coral de vozes, capazes de trazer o santo a terra.

E M 2 0 2 3,

Ester, com outras irmãs de seu terreiro, fundou o grupo de samba de roda de “Iya Odé”, que a partir de então, sempre se apresenta tradicionalmente no café da manhã que antecede as festas do terreiro.

Ester, ainda sob a parceria com Victor Silva, construiu o projeto Rezo do Sertão, a força do sagrado e a poesia do sertão.

D U O I N A Ê 2024

F I N A L M E N T E, EM 2025,

Ester ingressou como vocalista no grupo de música popular Zambiacuca.

E M 2 0 2 2,

O duo é composto pela artista e pelô instrumentista Victor Silva. Com influência direta da musicalidade de terreiro e de grandes nomes da MPB, Inaê é síntese de uma bahia que são várias dentro de si.

Universidade Federal do Sul da Bahia Bacharel em Humanidades (UFSB), Graduada em Psicologia (UFSB), foi voluntária PET-Saúde-Programa de Educação pelo Trabalho para a Saúde (SUS), foi pesquisadora do Programa Integrado de Pesquisa, Extensão e Criação Janaína Aparecida (UFSB) e irmã da artista.

T E X T O D E

C U R A D O R I A

Amanda Barros Bomfim

“Ejé-sangue de mundo”. 2021

E X P O S I Ç Õ E S

I N D I V I D U A I S

Exposição realizada no Centro Cultural Salgado Filho, em Belo Horizonte. As obras da exposição propõe, dessa vez, um mergulho no ventre ancestral de Oxum.

“As yabás: maternidade ancestral”. 2024

Exposição individual com as 17 obras do acervo "Eje sangue de mundo" na Galeria das Artes Motirô, em Teixeira de Freitas.

Biyi: o nascimento”. 2019

Protagonizou a primeira exposição individual na Associação Cultural e Artística Aramefá Odé Ilê, em Teixeira de Fretas, com 25 obras da série “Biyi: O nascimento”, em 2019.

E X P O S I Ç Õ E S

C O L E T I V A S

Balaio das artes“. 2022

Exposição coletiva sob curadoria de Laura Castro exposta em abril de 2022, no Espaço Cultural Jorge Caribé, com as obras “Odoiya”, “Iya Oyo” e “Omolokun”.

“Ramiro Guedes”. 2022

Com a obra “A Voz” compondo o acervo e curadoria de Kátia Aslene para a Exposição Coletiva em Memória de Ramiro Guedes, no Coletivo das Artes Motirô, em Teixeira de Freitas.

Instituto Sacatar. 2025

Atravessando o oceano, a obra “Exu-muladhara” esteve em exposição coletiva em Portugal, mais especificamente em Leiria, ArtsGallerys.

R E S I D Ê N C I A A R T Í S T I C A

Exu-Muladhara”. 2022

De 14 de julho de 2025 a 18 de agosto, a artista participou da residência artística no Instituto Sacatar em parceria com a Universidade de Stanford.

C U R S O S & E V E N T O S